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Coluna da Paula Fernandes

Coluna da Paula Fernandes: Vamos falar sobre aborto?

 

imaem 2O aborto, atualmente, é a quinta maior causa de morte materna no Brasil. Mesmo assim, nosso governo ainda não o entende como um problema de saúde pública. Estudos conduzidos pela UERJ e pela ONG Ações Afirmativas em Direitos e Saúde estimam que cerca de 850 mil mulheres façam abortos anualmente no Brasil. Desses, apenas 1.500 são os considerados legais, quando a mulher é estuprada ou quando a gravidez é de ameça à saúde materna ou casos de anencefalia fetal. Na maioria dos casos, o aborto começa em casa e a mulher recorre ao serviço de saúde pública para fazer a curetagem. Quando recorre. Quantas mulheres já introduziram agulhas de tricô ou outros objetos pontiagudos em seus corpos, na tentativa de impedirem uma gravidez que não podem levar adiante. Ou simplesmente não querem (assim como muitos pais, mas deles ninguém lembra).

Contudo, ao invés de progredir nas discussões acerca do tema, a Câmara Federal aprovou um projeto de lei hoje, 21 de outubro, na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), de autoria do presidente da casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que, caso seja aprovado, substituirá a Lei 12.845, de 2013, que dispõe sobre o atendimento a vítimas de violência sexual. Nesta lei consta, inclusive, o item que possibilita que a mulher receba contraceptivos de emergência para evitar uma gravidez em caso de estupro, o que é conhecido como profilaxia da gravidez.

imaem 1A proposta original do Projeto de Lei 5.069, de 2013, prevê punição para qualquer pessoa, inclusive profissionais de saúde, que façam anúncio de ‘processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto’, ou que instrua ou oriente a gestante ‘sobre como praticar aborto, ou prestar-lhe qualquer auxílio para que o pratique, ainda que sob o pretexto de redução de danos’. Com isso, essa proposta proíbe que médicos e demais profissionais de saúde prestem qualquer orientação quanto às possibilidades de aborto legal. E isso vai na contramão da Lei 12.845, de 2013, que dispõe sobre o atendimento às vítimas de violência sexual, especialmente no que diz respeito ao ‘fornecimento de informações às vítimas dobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis’.

Já não bastasse isso, o relatório elaborado pelo deputado Evandro Gussi (PV-SP), na CCJ, acrescenta outros dispositivos que praticamente inviabilizam o atendimento a mulheres vítimas de estupro que suspeitem ter engravidado, retirando do atendimento obrigatório a profilaxia da gravidez, que é, em miúdos, a indicação da chamada pílula do dia seguinte.

E quando a gente pensa que a barbárie não tem como piorar, o novo projeto também retoma as definições de violência sexual constantes no Código Penal de 1940, excluindo o artigo 2º da Lei 12.845, que é o que define a violência sexual como ‘qualquer forma de atividade sexual não consentida’. Mais, caso entre em vigor, as mulheres vítimas de violência terão de ser obrigadas a realizarem o exame de corpo de delito para que a violência seja comprovada antes de receberem atendimento.

É imcompreensível que um assunto que diga respeito às mulheres e seus corpos seja debatido e votado de maneira tão fria, sem sequer ouvir essas mulheres. Esse projeto prioriza o que pode vir a ser uma vida, mas descarta a vida das mulheres. E é um desrespeito à Constituição, que deve zelar pela saúde de todos os seus cidadãos e cidadãs.

Ainda são poucos os casos de mulheres que buscam o serviço de saúde quando são vítimas de violência, seja por vergonha, medo ou até mesmo por querer evitar a exposição. Além de se sentirem culpadas, porque é como a nossa sociedade faz com que nos sintamos: culpadas por qual o tamanho da nossa roupa, pela maquiagem que usamos, pelo lugar e o horário onde estamos, com quem andamos. Infelizmente, na nossa sociedade, os direitos básicos são dados aos homens, apenas. Com a aprovação desse projeto, essa vergonha e medo devem aumentar, já que, antes mesmo de serem atendidas, as mulheres têm de provar terem sido vítimas de violência – e, assim, serem mais uma vez violentadas pelo serviço público. Porque parece que, no nosso país, quando se trata de mulheres, é culpada até que se prove o contrário.

Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o aborto tem cor e renda. Entre as mulheres pretas, o índice de aborto provocado é o dobro do verificado entre as brancas: 3,5% contra 1,7% dessas mulheres. Além disso, 33% das mulheres que admitiram realizar aborto no Brasil não tem nenhuma instrução ou até o Ensino Médio completo, contra apenas 10% com Ensino Superior Completo. Apesar da amostragem, o IBGE estima que o número seja ainda maior, porque o aborto não é legal no Brasil e muitas mulheres têm medo de admitir que o fizeram.

Precisamos, sim, falar de aborto. Afinal, quantos pais abortam diariamente suas crianças e deixam a mulher à mercê da sociedade. Para serem, mais uma vez, julgadas. Porque o gozo só é permitido ao homem. Só a ele é dado o privilégio do sexo por prazer. A nós, mulheres, sexo é motivo de vergonha. Mulheres que fazem sexo – e que fazem sexo sem se importarem com esses rótulos – são vadias, promíscuas, estavam ‘pedindo’ (para engravidar ou para serem estupradas, sempre culpa da mulher). Quando abortam, mesmo que com consentimento legal, são hostilizadas por não terem assumido o seu ‘papel de mãe’. Quando mantém a gravidez, são apontadas por não terem se cuidado (e coisas muito piores). Quando deixam o filho para que seja adotado, são monstros que não se importam. Como no caso de Sandra Maria dos Santos Queiroz, a nordestina que trabalhava como empregada doméstica em São Paulo e que, há poucos dias, teve o filho no banheiro anexo ao seu quartinho de empregada, sem que os patrões soubessem sequer que ela estava grávida, o colocou em uma sacola, mas numa sacola chique, como bem frisou a jornalista Eliane Brum em sua coluna (vale a leitura:http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/12/opinion/1444657013_446672.html),deixou embaixo de uma árvore em frente a um prédio e ficou esperando até que alguém encontrasse. A Sandra restava apenas o destino de ser ‘safada’ ou ‘monstro’, afinal, na hora de fazer foi bom, né?!

Chega. Chega de nos julgarem, punirem-nos e nos humilharem. Mulheres também merecem  e têm o direito a serem respeitadas. Inclusive as decisões que tomam com os seus corpos.

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