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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez: Je sui Hipócritas, Maju

Somos todos Maju

Quando o apresentador Danillo Gentilli ofereceu, via Twitter, bananas para um militante do movimento negro em outubro de 2012, fãs e admiradores do menino piadista do SBT o apoiaram, alegando que a ofensa havia sido resultado do comportamento “provocador” do rapaz negro ofendido. No caso, o “negro” Thiago Ribeiro havia questionado piadas de cunho racista feitas no programa de Gentilli (“Agora é Tarde”, na Band). Ao ser incisivamente questionado por Thiago Ribeiro, Gentilli apelou: “Sério @LaSombra [nickname de Ribeiro no Twitter]: vamos esquecer isso… Quantas bananas vc quer pra deixar essa história pra lá?”. Para fãs e para Gentilli Thiago Ribeiro era alguém que só queria aparecer, e por isso ficou provocando o “pacato” apresentador, até receber seu devido troco. Racismo? Nada disso. Somos homens cordiais, lembram-se? A própria justiça deu ganho de causa a Gentilli, admitindo que a “brincadeira” foi infeliz, mas que Thiago Ribeiro estava exagerando em seus reclames.

No fundo, o argumento que justificou a grave ofensa racista de Gentilli remonta a versão racial do mesmo argumento utilizado por estupradores, que a fim de esconder seu crime e se evidente desequilíbrio mental e psicossocial, culpam a vítima e seu suposto “comportamento provocador”.

Quem mandou mexer com a fera?

Infelizmente, é comum escutar pessoas (incluindo aquelas ditas “esclarecidas”) reclamando daquilo que se convencionou chamar pejorativamente de ditadura do politicamente correto: “Esse povo do movimento (negro, gay, feminista) são muito chatos/as!” Imaginem? Não podemos mais fazer piada com gays, só porque o Brasil é um país onde historicamente pessoas LGBTs são vítimas de violência, estupro e assassinatos por conta de sua opção sexual? Não poder mais chamar negros de “macacos”, só porque escravizamos afrodescendentes por 400 anos, com base no argumento de que se tratavam de uma sub-raça humana? Não poder dar cantadas em mulheres na rua, só porque os dados de violência sexual contra mulheres ostenta índices alarmantes?

O problema, afinal, está em quem comete o crime, ou em quem o denuncia?

Quando a jornalista negra da Globo Maria Julia Coutinho (Maju) foi ofendida gratuitamente por racistas através das redes sociais, todo o staff da emissora saiu em sua solidariedade. Fenômeno semelhante já havia acontecido entre estrelas do show business quando o jogador Daniel Alves, do Barcelona e da seleção brasileira, foi vítima de ofensas raciais durante uma partida de futebol, na Espanha. Por aqui, fizeram-se (e se venderam) camisetas, e personalidades postaram foto comendo banana em solidariedade ao seu ilustre membro do milionário clube dos astros da bola. No caso, o agressor (aquele que atirou a banana ao campo) foi identificado, exposto, multado e banido dos estádios, e ainda responde processo na justiça. O caso de Daniel Alves ocorreu na Europa, e não no Brasil. Sorte dele. Por aqui, Gentilli pode oferecer bananas a um negro pelas redes sociais, sem correr o risco de perder a condição de estrela querida e prestigiada pela mídia e pelos fãs. E negros como Amarildos podem desaparecer pelas vielas cariocas sem que Luciano Huck faça camisetas em sua homenagem.

Por que essa diferença?

A questão entre eles (europeus) e nós (brasileiros) não está no tamanho do crime, pois afinal as “bananas” oferecidas por Gentilli se equivalem em simbolismo as bananas oferecidas pelo torcedor racista na Espanha. A diferença está na consciência histórica dos resultados que atitudes como esta pode produzir. Na Europa, entre outras coisas, o racismo esteve na base de experiências traumáticas e das quais os europeus morrem de vergonha, como o nazismo, e pelas quais estão eternamente se policiando para que jamais se repitam. Não deveríamos sentir algo semelhante com relação a escravidão negra e a servidão indígena, ocorridas sob a égide do racismo? Teria sido “menos grave” o fato de termos traficado seres humanos, vendido e comprado pessoas em feiras livres, os escravizado, espancado e assassinado negros e índios como base única e exclusivamente em sua origem étnica e cor da pele? O que o nazismo fez que nós também já não tenhamos feito?

Se tivéssemos a real consciência dos crimes e estragos históricos cometidos com base em ideias racistas, jamais brincaríamos com isso e aceitaríamos uma ofensa racial como parte do nosso “folclore”, do nosso estranho jeito cordial de ser, da nossa curiosa forma de se fazer “amizade”. O racismo mata. E não mata apenas quando o policial assustado e mal preparado (policial que na maioria das vezes também é negro) tem apenas alguns segundos para sacar a arma e escolher quem irá “esculachar” na blitz, na revista da esquina, ou mesmo entrar atirando “preventivamente” numa comunidade (favela, periferia) onde moram negros e “elementos suspeitos”, pré-definidos pelo seu biótipo. O racismo mata porque também define quem terá acesso aos bens de consumo, aos melhores empregos, as vagas nos melhores cursos da universidade, aos papéis protagonistas nas novelas, programas de auditórios e nas bancadas de telejornais, e no próprio acesso a equipamentos e bens coletivos (parques, shopping centers, universidades, supermercados e praias) – locais onde os negros jamais conseguem frequentar sem correr o risco de serem “importunados” e perseguidos pelos vigilantes olhares policiais, e – na dúvida – apanhados, algemados, surrados e encarcerados até que possam provar sua inocência.

Nesse país, onde o racismo ainda define privilégios e o acesso a riqueza, o melhor a se fazer, do ponto de vista das nossas elites herdeiras do escravismo, é escondê-lo e confundir a população daqui (inclusive os próprios negros), tratando crimes raciais como algo engraçado, “piadas”, “folclore”, arengas e discussões de boteco (ou de Facebooks e Twitters) sem maiores implicâncias sociais e históricas.

Como de costume, negar o racismo é sempre mais fácil e cômodo do que admiti-lo e enfrentá-lo.

Ironicamente, o departamento de jornalismo da Rede Globo onde trabalha a repórter negra ofendida por internazis, é dirigido por Ali Kamel. Este, recentemente, publicou um livro intitulado “Não Somos Racistas”, onde nega de forma veemente que sejamos uma sociedade racista. Se não existe o racismo, também não faz sentido caracterizá-lo como crime. Assim como a homofobia e o machismo, o racismo deve ser tratado como puro chororô de militantes chatos querendo se aparecer a custa de apresentadores famosos, queridos, engraçados e fofos do nosso show business. Aquele povo lá daqueles movimentos sociais, sabe? Aqueles que, dizem, tentam implantar uma ditadura comunista e/ou do “politicamente correto” no país.

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