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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez: Jesus Cristo e Adolph Hitlers nossos de cada dia

Foto: Tribuna do Interior

Foto: Tribuna do Interior

Desde que as tropas aliadas abriram os portões dos campos de concentração alemães e revelaram ao mundo os horrores causados pela ideologia nazista, a visão liberal e individualista da História convencionou atribuir este fenômeno de massas única e exclusivamente à capacidade individual de convencimento da qual Hitler, como grande orador, era dotado. Um homem sozinho teria levado um país inteiro à guerra e ao holocausto? Duvido.

Sabemos por experiência própria que grandes oradores não fazem sucesso simplesmente por que são eloquentes, engraçados ou incisivos. Eles só fazem sucesso porque encontram ouvidos dispostos (e até ansiosos) a receber sua mensagem, independente do conteúdo. Quando o ex-presidente Lula discursa, a classe média-alta bate panela e o ignora solenemente. Não importa o quão eloquente ele seja, sua mensagem simplesmente não será ouvida por quem acha que ele não tem nada a lhes dizer. Embora seja um orador experimentado, Lula sabe que seus discursos serão ouvidos preferencialmente pelos pobres, trabalhadores e nordestinos / migrantes como ele próprio. Por isso, em seus discursos, usa sua própria história, e outras figuras de linguagem e metáforas que tocam fundo ao coração deste público. De modo semelhante, outro grande orador de nossos dias, o pastor Silas Malafaia, costuma ser solenemente ignorado por grupos LGBTs. Isso pode parecer anti-democrático, mas na verdade é o óbvio: um gay não precisa escutar Felicianos, Bolsonaros ou Malafaias para saber de antemão o que eles irão dizer a seu respeito.

O filósofo austríaco Karl Kraus (1874-1936), que testemunhou a ascensão dos fenômenos totalitários na Europa (incluindo o nazismo), matou a charada dos “grandes oradores” ao observar: “O segredo do demagogo é parecer tão estúpido quanto sua plateia, para que esta se ache tão esperta quanto ele!”.

O fenômeno de comunicação de massas é uma espécie de grande teatro, onde o orador diz aquilo que sua plateia espera ouvir. Se tentar falar algo diferente, que contrarie as expectativas, o orador corre o risco de cair em desgraça e acabar desacreditado, por “desvio de conduta”. Daí a constatação de que o nazismo não pode ser atribuído como uma construção individual e pessoal de Hitler, mas como um fenômeno coletivo, do qual ele foi apenas um elo, um intérprete.

Adolph Hitler, em nome de seu projeto pessoal de poder, extraiu da sociedade alemã aquilo que ela tinha de mais podre, racista, intolerante e incendiário: o sentimento xenófobo (rejeição aos “não-alemães”), antissemita e profundamente conservador. Com apoio do empresariado alemã, Hitler adicionou o anticomunismo, tornando possível os campos de concentração, a guerra e o holocausto. Hitler era um alemão de direita, religioso e anticomunista, de mente militarista e adepto de discursos moralistas sobre o corpo e a mente. Promoveu uma enorme “limpeza” editorial contra autores e artistas considerados “degenerados”, e militarizou a Alemanha, controlando também o corpo de seus cidadãos – agora masculinizados desde a escola primária, até o serviço militar. Construiu o nazismo a partir de uma enorme e competente máquina de propaganda, que entre outras coisas, misturou fatos concretos (a derrota na 1° Guerra Mundial), o sentimento de revanchismo explorado pelas incompetentes elites políticas, e muita, muita paranóia. Na Alemanha do final dos anos 1920, trabalhadores reviravam o lixo para achar o que comer. Era efeito da crise capitalista de 1929, que jogou a Alemanha no fundo do poço. Entre a população, reinava um incômodo sentimento de injustiça desde que as potências imperialistas europeias – Grã-Bretanha e França – obrigaram a Alemanha a pagar pesadas dívidas de guerra, após a derrota de 1918. Com o “Crack da Bolsa” de 1929, Hitler também passou a culpar os judeus (que controlavam boa parte do sistema financeiro, bancário e comercial mundial). E diante do avanço do comunismo na periferia pobre da URSS, também passou a demonizar o comunismo e os partidos de esquerda. Com o medo semeado entre a classe média e empresarial do país, Hitler construiu o nazismo sob o argumento de que iria salvar o país de um “golpe comunista” (atenção, brasileiros: algo de familiar nesse argumento?). De acordo com Hitler e sua propaganda, o comunismo iria destruir a família, a religião, as instituições e os valores morais da sociedade alemã.

Quando vemos pastores e padres mobilizando seus fiéis em massa para lotarem o plenário da Câmara Municipal de Vereadores de Campo Mourão, com a finalidade de derrubar cláusulas do Plano Municipal de Educação (PME), é impossível não recordarmos os argumentos do nazismo. Os discursos partem da mesma base conservadora; e a metodologia de mobilização e adesão – baseada na disseminação do pânico, a desinformação e do medo – também. Como pano de fundo, um discurso moralista que pressupõe uma luta entre o Bem x Mal, e que diz querer proteger a sociedade e, especialmente, as crianças, da devassidão e da imoralidade presente na ideologia inimiga.

Se vivesse hoje em Campo Mourão, do lado de quem Hitler estaria?

Muitas das “pessoas de bem” que hoje se espelham e reproduzem discursos de líderes como Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e seus correspondentes na Igreja Católica e em outros meios de comunicação e intelectuais, há apenas algumas semanas atrás estavam nas ruas pedindo pela volta da ditadura.

O curioso é que, o que nós hoje chamamos simplesmente de “nazismo”, os alemães chamam de “ditadura nazista”.

Alguém consegue imaginar um alemão, por religioso que seja, indo às ruas pedir a volta da ditadura naquele país?

Por aqui, muitos “pessoas de bem” também concordaram quando o governador Beto Richa massacrou trabalhadores da Educação. Não nos esqueçamos que a mesma Câmara de Vereadores – que agora acolheu o pedido de retirada de termos considerados “ofensivos” pelos cristãos “de bem” da cidade -, há apenas algumas semanas atrás não quis aprovar uma moção de repúdio contra o governador Beto Richa por conta do massacre dirigido contra professores e servidores em greve, no dia 29 de abril.

Pelo visto, para estes “cidadãos de bem”, palavras como “LGBT” presentes num documento oficial do Estado (que é laico, lembremos) incomodam mais do que um governo que espanca e agride fisicamente professores desarmados.

***

Para finalizar, deixo algumas observações aos pais de família e seus líderes religiosos e políticos que foram à CMV-CM na segunda-feira (15/06) para barrar a “meta 12” do PME – que tratava da cidadania LGBT e do combate a todas as formas de preconceito.

 Sabemos pelos evangelhos algo sobre a vida de Jesus Cristo e sua difícil tarefa de convencimento e pregação numa sociedade pobre, colonizada e dependente das migalhas vindas de suas elites, extremamente manipuladoras, capazes de inflamar a multidão em favor de seus interesses pessoais, quando estes eram atacados – como o próprio julgamento de Cristo, aclamado pela turba raivosa que sequer o conhecia, demonstrou.

Tal como as mulheres (anos 1920), negros (anos 1960) e outras minorias historicamente segregadas pelo poder, os LGBTs de hoje repetem o gesto de Cristo que, há 2000 atrás, também foi acusado de subverter instituições e colocar em risco a moral e os bons costumes da época. Incluindo o conceito de família, dado que o próprio Cristo foi resultado de uma família não tradicional, pois concebido em uma situação moralmente condenada pelos religiosos da época (seus pais não eram casados); e além disso, o próprio Cristo decidiu não constituir sua própria família. Que exemplo esperar de um sujeito destes, crianças?

Em seus curtos e atribulados 33 anos de existência, Cristo cansou de subverter regras e tabus defendidos por unhas e dentes pelos religiosos, que justificavam a existência dessas normas e instituições por serem a base do judaísmo e da preservação do povo hebreu. Se tivesse ouvido os fariseus, sacerdotes, donos da verdade e vigilantes da moral do judaísmo, Cristo jamais teria feito aquilo que fez. Ao contrário, o filho de Maria preferiu disseminar a confusão e costumeiramente desrespeitava as sagradas escrituras, profanando lugares e costumes sagrados. Pior: era um péssimo exemplo para as crianças, de cuja companhia Jesus sempre fez questão.

Querem exemplos? Acolheu e salvou uma prostituta do apedrejamento certo, contrariando uma lei clara do judaísmo. Também, contrariando outra norma cara aos hebreus, manteve conversações com uma mulher samaritana e compartilhou água com ela – à época, hebreus e samaritanos não podiam ter qualquer contato, por uma questão de “preservação do grupo” (família). Também decidiu “trabalhar” aos sábados, profanando outra lei importante ao judaísmo. O que dizer dele de quando foi ao templo e, a exemplo da transexual crucificada na Parada LGBT, “profanou” aquele símbolo sagrado, gritando e destruindo o “sagrado comércio” que ali era realizado?

E o que dizer de alguém que preferiu a companhia de prostitutas, mendigos, trabalhadores, miseráveis e outros desvalidos, marginalizados e desprezados pelo establishment hebreu e romano? O que esperar de alguém que ignorou toda a tradição e as instituições seculares do judaísmo, dizendo que era necessário uma reavaliação das Sagradas Escrituras, onde uma nova verdade iria incluir aqueles que não se identificavam com o judaísmo tradicional e engessado ao sabor de suas elites sacerdotais e políticas?

Cristo anunciava uma verdade plástica, flexível aos excluídos, que pudesse servir de amparo para aqueles cuja dureza da tradição e da lei judaica já não dava mais conta de abarcar, proteger e consolar. Mas tal qual aqueles que defendeu e cuja companhia sempre preferiu, Cristo morreu na cruz como um bandido, como um excluído, como mais um dos muitos “anti-exemplos” escolhidos e aclamados pelos “cidadãos de bem” da época, que no fundo só queriam preservar os costumes, a moral e a tradição sob a qual se assentavam suas instituições políticas e familiares.

Tudo isso, é lógico, graças também ao competente trabalho de convencimento feito pelas lideranças religiosas do judaísmo, que, tal como Hitler, levou a multidão à histeria coletiva, tornando possível sua mobilização em massa para pedirem a eliminação e o silenciamento de quem, cuja existência, colocava em xeque suas certezas, e por essa razão foram considerados como uma aberração.

A História se repete. Inclusive em Campo Mourão.

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