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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez – Na Cruz, com Cristo. Ou: uma alegoria da crucificação moderna

7jun2015---a-modelo-transexual-viviany-beleboni-participa-da-19-parada-do-orgulho-lgbt-lesbicas-gays-bissexuais-travestis-e-transexuais-de-sao-paulo-neste-domingo-caracterizada-como-jesus-cristoNasci e cresci em um meio evangélico. Filho de pastor metodista, passei minha infância dentro de uma Igreja Batista (na verdade, Igreja Batista do 7° Dia, uma subdivisão que respeita a tradição do descanso aos sábados), onde meu pai tinha um cargo de direção. Meu pai faleceu quando eu tinha 9 anos. Nos mudamos de cidade e passei a frequentar cultos pentecostais e não pentecostais. Me batizei aos 17 anos de idade numa Igreja Quadrangular. Antes disso, frequentei por 2 anos uma igrejinha pentecostal muito pobre e humilde (já extinta), onde, entre outras coisas, homens e mulheres se sentavam separados; homens não podiam usar barba, e mulheres não podiam cortar o cabelo ou passar maquiagem. Assistir TV era outra proibição. Eu achava aquilo um pouco radical, mas gostava do “barulho” e da animação daquela turma. Por volta dos 15 anos, comecei estudar um pouco de musica, e saí dessa igreja porque ela abria pouquíssimos espaços para experimentalismos musicais. A convite de um amigo, iniciamos uma banda na igreja Assembleia de Deus, Ministério de Madureira. Aos sábados, sempre que possível, também me “alimentava” musicalmente, participando como visitante de cultos em outras Igrejas evangélicas da cidade, como a Presbiteriana do Brasil, onde a música (louvor) era de excelente qualidade, os usos e costumes pouco importavam, e os pastores e dirigentes eram mais liberais e compreensivos com a molecada. Sentia uma pontinha de inveja daquelas famílias tradicionais há várias gerações frequentando a mesma igreja, casando-se entre si e criando seus filhos ali dentro. A minha familia, como a de qualquer outro menino pobre de periferia, já estava completamente dispersa e desagregada. Recém ingresso na faculdade, e antes de partir para morar em outra cidade, fiz questão de ser batizado na Igreja do Evangelho Quadrangular. Nela, encontrei o melhor “meio termo” para fugir do radicalismo dos usos e costumes pentecostais; e da falta de “barulho” das igrejas tradicionais (históricas).

Então, veio a faculdade.

Entre os 19 e 20 anos, conheci e trabalhei como bolsista de iniciação científica com um professor que era gay. Mas eu não sabia disso, é claro. Talvez o tivesse evitado. Descobri sua orientação sexual por acaso. Um dia, quando já havíamos encerrado a pesquisa e nos tornamos amigos, no auge de uma disputa política típica de Departamentos Acadêmicos, esse professor teve sua vida exposta e ridicularizada por um colega homofóbico. Fiquei chocado: não com ele, que era gay; mas comigo, que jamais desconfiei! Foi então que soube que aquele rapaz (também professor) que vivia com ele, e com os quais jogávamos futebol de vez em quando, não era simplesmente seu “amigo”, e que sua casa não era uma república (como a minha). Meu professor tinha um companheiro, um marido. E sua casa, era um lar.

Sem qualquer experiência ou preparo, e dado a forma delirante e caricatural como a sociedade em geral (especialmente os meios evangélicos) tratam os indivíduos LGBTs – sempre de forma sexualizada, e como aberração demoníaca manifesta -, eu achava que o gay, o gay de verdade, quando me encontrasse, iria tentar me assediar, me tocar, me estuprar, me levar pra cama, ou no mínimo tentar me convencer a ser gay também. Mas meu professor jamais qualquer brincadeiras comigo neste sentido, e se não fosse esse triste episódio da briga departamental, eu teria passado anos sem descobrir sua orientação sexual. Ele não tinha trejeitos (como vemos na TV); não era “pervertido” (como aprendi, nos meios evangélicos); e nem fazia “apologia” à causa, como acreditam vários religiosos. A universidade era seu local de trabalho, e eu, seu bolsista. Simples assim.

Naquele momento, senti nojo, raiva e vergonha de tudo aquilo que sempre acreditei e pensei sobre os gays. Me senti traído pelos meus antigos líderes espirituais, donos da verdade – da deles, e da minha. Me senti um idiota, um fascista manipulado e programado para rejeitar e atacar pessoas, usando paradoxalmente aquilo de mais belo e singelo que já se produziu: o ensinamento do amor de Cristo.

***

Não era apenas contra os “gays” que nós, evangélicos, direcionávamos nossos demônios e buscávamos exorcizá-los. Muitos evangélicos (falo pela maior parte dos grupos que conheci) também consideram os católicos como pobres idólatras e almas perdidas, que precisam urgentemente obter a salvação através da conversão espiritual (numa igreja evangélica, diga-se de passagem!). Em sessões de exorcismo que testemunhei, era comum o “demônio”, ao ser “entrevistado” pelo pastor, entregar seu modus operandi, colocando símbolos católicos em xeque: “Eu entrei naquela casa através de uma imagem de São Francisco que ele tem na sala”, ou “Minhas legiões entraram no corpo do fulano a partir da tatuagem de Nossa Senhora Aparecida que ele fez”. Símbolos católicos eram símbolos demoníacos. Chutar uma escultura de Nossa Senhora Aparecida em rede nacional (como fez um pastor da Igreja Universal) era escarnecer do demônio. Os católicos não conseguiram entender dessa forma, mas os evangélicos com certeza sim.

Uma vez, intrigado com essa questão, tomei orientação com meu pastor: “Por que nossa igreja coloca uma cruz vazia no altar? Isso não é idolatria?” Me respondeu: “Nós acreditamos num Cristo vivo, que ressuscitou. A nossa cruz está vazia porque é um símbolo de ressureição. Já os católicos acreditam e adoram um Cristo morto.”

Hoje, evangélicos se unem a católicos para defender uma imagem sobre a qual nem eles mesmos entraram em acordo. A hipocrisia é gritante.

***

Não foi apenas quando entrei em contato com os LGBTs que minhas certezas foram para o espaço. Na universidade conheci também setores progressistas da Igreja Católica, e fiquei perplexo (e revoltado) por perceber o quanto o preconceito evangélico e o dogmatismo religioso que havia sido inculcado em mim havia me apartado da companhia e diálogo com padres e fiéis realmente interessados na propagação do verdadeiro exemplo e amor de Cristo. Adeptos da Teologia da Libertação – a maioria dos quais, católicos – utilizam a mensagem de amor e solidariedade cristã para lutar por causas fundamentais para nós, que vivemos no Terceiro Mundo. Entre elas, a problemática indígena e ambiental, a questão da infância e da pobreza, a violência contra trabalhadores no campo e na cidade, a questão dos Direitos Humanos, entre outras. O contato com católicos progressistas (e alguns poucos evangélicos progressistas, especialmente luteranos) me deixou sem norte: no meio evangélico de onde vim, cada vez mais pastores (e agora, também alguns padres) se colocam como executivos financeiros a serviço de negociatas celestiais, vendendo promessas de bênçãos e prosperidades materiais, enquanto atacam aqueles que de fato lutam para que a realidade social e econômica do País mude, para que não tenhamos mais que testemunhar pobres mendigando nas portas das igrejas, e outros negociando bens materiais com Deus. Cristo lutou em favor dos mais pobres e necessitados, e morreu injustiçado como um bandido pobre, crucificado a pedido de fariseus e sacerdotes ricos e bem alimentados que controlavam os “negócios” do templo (contra o qual Cristo se revoltou), e usavam as sagradas escrituras para atacar quem quer que os questionasse.

Quando vejo “pastores” como Marco Feliciano pedindo a senha do cartão de crédito para um fiel, chantageando-o ao vincular a obtenção da bênção à realização do aporte financeiro; e um Silas Malafaia trajando um terno caríssimo, numa confortável sala e com uma superprodução de TV, “vendendo” produtos superfaturados e pedindo doações para financiar seu estrelato midiático; e ambos atacando a comunidade LGBT, o MST e outros agentes sociais de transformação, dou um suspiro e penso, aliviado: definitivamente, nós não estamos do mesmo lado!

2 Comentários

2 Comments

  1. Mãe de aluno

    13 de junho de 2015 às 0:21

    Professor Emílio, sua coluna nem precisa de comentários. Simplesmente libertadora. Parabéns por sempre saber usar as palavras de forma direta, profunda, reflexiva e verdadeira. Obrigada por escrever para todos nós.

  2. Aluno

    16 de junho de 2015 às 18:22

    Excelente comentário professor Emílio.

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