conecte-se conosco

Olá, o que você está procurando?

Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez: Paixão de Cristo – Uma história de Páscoa Moderna

colunistasDias estranhos estes em que parlamentares da bancada dita “evangélica” (na verdade, católicos e evangélicos) fazem lobby para a aprovação de pautas como a retirada de direitos e garantias trabalhistas, redução da maioridade penal e o endurecimento do aparato repressivo estatal; enquanto católicos e evangélicos de todas as camadas sociais se unem em defesa da aprovação da pena de morte; e onde pessoas vão à missa/culto, depois de passar a semana nas redes sociais justificando e incentivando ações como linchamentos públicos, violência policial e a explosão da fúria popular contra setores marginalizados da sociedade.

Esquecem-se eles que o próprio Jesus Cristo defendeu a justiça social e um sistema distributivo mais justo, contra a meritocracia; e que também foi vítima da fúria popular, estraçalhado pelas mãos de um povo que o elegeu como inimigo, reproduzindo e incorporando o discurso de suas elites, que sempre reprimiram de forma brutal aqueles que lutavam por mudanças na ordem das coisas. Jesus foi morto como bandido pelo Estado Romano, aos gritos enlouquecido da multidão que pedia sangue.

E quem era a multidão que pediu a cabeça de Cristo?

Judeus, um povo explorado por suas próprias elites, aliadas ao Império Romano para roubar e expropriar os mais pobres e necessitados. Um povo que já naquela época fazia “terapia coletiva” trucidando culpados entre os seus, em execuções públicas estatais ou apedrejamentos espontâneos. Era a forma como expiavam e aliviavam sua revolta pela situação de miséria e pelo sentimento de letargia em que se encontravam. Seus inimigos (como Cristo, e o próprio Barrabás) eram, muitas vezes, pessoas que em algum momento ousaram questionar o “status quo” daquele arranjo social. O maior medo das elites eram líderes rurais, mesmo que pacifistas (como Cristo), guerrilheiros (como Pedro, e também Judas Iscariotes), ou bandidos sociais – os Hobbin Hood do mundo antigo – (como Barrabás), e mulheres transgressoras (como Maria Madalena) que questionavam aquela hipócrita moral patriarcalista da lei de Moisés, acabavam apedrejados, esquartejados, aos gritos de “bandidos”. Era o que queriam as elites. Era o que fazia o povo.

Este diálogo fictício sobre a morte de Cristo (conforme celebrada no último final de semana) constitui uma tentativa em imaginar como teria sido, se fosse nos dias atuais.

_______________

 

– Viu que, afinal, prenderam e executaram aquele sujeito vagabundo da Galiléia?

– O barbudinho com cara de comunista, né?

– Ele mesmo. Pilantra! Era filho de carpinteiro, mas nunca quis trabalhar igual ao pai. Ao invés disso, preferiu viver a vida andando pra cima e pra baixo, sempre em más companhias: prostitutas, leprosos, mendigos, pessoas de nações inimigas que lutam para destruir nossa nação, nosso povo…

– Mas o que ele fez de tão grave?

– Esse sujeito se achava acima da lei. Por várias vezes se achou no direito de descumprir as normas e costumes que garantem a paz e a ordem. Dedicou sua vida a atacar nossas leis, nossa moral, nossas instituições, a família e nossos valores tradicionais… Quer saber? Achei foi bom que pegaram ele! Sou cristão, e a favor da vida. Mas posso te dizer que um cara destes com certeza não vai fazer a menor falta no mundo!

– Mas se ele era tão perigoso, por que o deixaram por tanto tempo solto?

– É a impunidade, meu amigo! A lei só existe para o cidadão de bem. Bandidos como ele podem aprontar a vontade, porque sabem que dificilmente serão presos. No começo ninguém ligou. Ele ia a festas e distribuía bebida alcoólica pro povo. Dizia que sabia fazer milagres. Ficou com moral, e começou a achar que era Deus. Arrebanhou uma turma da pesada que o defendia, e uns tantos ignorantes que caíram naquele papinho socialista de preocupação com os mais pobres e necessitados.

– Mas cuidar dos pobres não é algo bom?

– Fazer caridade com o dinheiro alheio é fácil! Queria ver era ele suar a camisa para fazer filantropia. Uma vez, ele pediu a um jovem rico que vendesse todos os seus bens e os distribuísse entre os pobres. Fazer justiça social com o dinheiro alheio é fácil!

– Ouvi dizer que ele era uma péssima influência para nossos jovens e crianças. Por que?

– Oras, ele ficava contando estórias que desincentivavam os jovens a trabalhar, a querer poupar dinheiro.

– No mínimo, mais um adepto do ‘bolsa-esmola’…

– Exato! Ele contava umas estórias à base de socialismo barato. Disse que certa vez um filho abandonou a casa do pai e levou a sua parte da herança. Gastou tudo com prostitutas, amigos, bebedeiras e jogatinas. Depois, sem dinheiro, o filho voltou pra casa na maior cara de pau, e o pai o recebeu de braços abertos, e lhe restituiu tudo novamente!

– Absurdo!

– E ele usou essa estória para dizer que deveríamos acolher e perdoar as pessoas mesmo quando elas tivessem cometido erros. E chegou a dizer que, se fosse preciso, deveríamos perdoar uma mesma pessoa 70 vezes 7…

– Sem chance! Pra mim, errou, tem que pagar. E dependendo do erro, merece até pena de morte!

– Isso mesmo! Quem defende bandido, é bandido também!

– E é por causa de gente assim que hoje, as pessoas já não querem mais trabalhar. Preferem ser sustentados pelo governo e pelos impostos que pagamos!

– Não é estranho que esse cara gostasse de defender bandidos e prostitutas. Lembra a tal Madalena?

– Lembro! O safado livrou aquela puta de morrer apedrejada, como ela merecia!

– É. Se fosse mulher direita, não teria apanhado! E além disso, o povo já está de saco cheio! As pessoas se cansaram de tanta impunidade, tanta corrupção. Querem fazer justiça com as próprias mãos… é justo!

– Ele andava com gente da pior espécie. Virou até black boc e chegou no templo quebrando tudo, destruindo o patrimônio das pessoas de bem que acordam cedo para trabalhar… tocou o terror lá!

– E aquele amigo dele, o tal Pedro? Dizem que era guerrilheiro, e que foi treinado pelas FARCs, ou em Cuba…

– Vixi… esse era bandidão mesmo! Sangue ruim! Só andava armado, e quando os soldados prender o filho do carpinteiro, esse tal Pedro sacou e atirou de forma criminosa contra a guarnição. A polícia foi até boazinha com ele. Ah, se fosse comigo…

– Olha, realmente ele não era inocente. Mas pra falar bem a verdade, ouvi dizer que quando ele estava sendo levado para o local da execução, apareceu todo desfigurado. Dizem que foi brutalmente torturado pela polícia durante a madrugada…

– E daí? Apanhou foi pouco! Vagabundo tem que apanhar mesmo. Antes apanhar ele, do que um pai de familia. E outra: tá com dó? Leva pra casa, xará…

– É… pensando bem… acho que ele teve o que merecia. 

– Mas então, mudando de assunto, no próximo final de semana, o pessoal da minha igreja vai a uma comunidade carente distribuir chocolate para as crianças. Você vem?

– Claro! Fazer o bem ao próximo. Este é o nosso principal dever como povo cristão.

1 Comentário

1 Comentário

  1. Edir Braz Camilo

    14 de junho de 2015 às 7:43

    Cara! Só hoje é que li isto! Caramba! É bem assim mesmo!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja também

Campo Mourão

O festival proporciona atividades culturais e recreativas nos três parques municipais.

Campo Mourão

Aniversariante chegou a se esconder no meio do mato pra fugir de blitz da aglomeração.

Todos

Ao todo foram 265 prêmios oferecidos aos consumidores na campanha promocional.

Campo Mourão

Cidade já perdeu 126 moradores para doença